A teoria do Ketchup e da Mostarda é um conceito intrigante no mundo do marketing e agora no jurídico, especialmente quando se trata da psicologia das cores em marcas e como elas influenciam o comportamento do consumidor.
Este artigo examina essa teoria no contexto de um processo judicial envolvendo as marcas, exemplificando a análise marcária no litígio envolvendo as redes Calzoon e Mini Kalzone, duas grandes Franqueadoras do setor de alimentação.
Contexto do Processo Judicial
No cerne do processo entre Calzoon e Mini Kalzone está uma disputa sobre o uso das marcas registradas, neste caso, a Mini Kalzone buscava anular as marcas de sua concorrente, por compreender ser semelhante, principalmente em suas cores, amarelo e vermelho.
A Mini Kalzone tentou impedir que Calzoon utilizasse estas cores em sua representação gráfica, argumentando que isso poderia causar confusão entre os consumidores e diluir a identidade visual de sua marca. O caso que iniciou na Justiça Federal está avançado, e recentemente foi inadmitido um Recurso Extraordinário no STF, ressaltando a importância das cores na identidade de uma marca e como elas podem ser percebidas pelo público.
A Teoria do Ketchup e da Mostarda
Esta teoria se refere à combinação das cores vermelho e amarelo, frequentemente utilizadas por redes de fast food.
Segundo um estudo publicado no periódico "Singh, S. (2006) Impact of Color on Marketing. Management Decision, 44, 783-789 de 2006”, a maioria das decisões de compra são feitas em até 90 segundos, e entre 62% e 90% dessas decisões são influenciadas pelas cores vistas pelos consumidores. O vermelho é associado a fome, enquanto o amarelo reforça sentimentos de conforto e confiabilidade. Juntos, eles criam um apelo visual que pode estimular o cliente a parar e comer em uma loja, algo particularmente eficaz no setor de alimentação rápida.
Essa não é uma percepção isolada, Cunningham, M. no artigo The Value of Color Research in Brand Strategy. Demonstra como a cor é vital para o processo de comunicação e construção de relacionamento tanto com consumidores quanto com marcas, a cor pode desencadear uma resposta emocional, carregar significados associados e intrínsecos, bem como influenciar a percepção dos consumidores sobre o que uma marca comunica e se é familiar.
Implicações para Marcas
O caso entre Calzoon e Mini Kalzone destaca a relevância da teoria do Ketchup e da Mostarda na prática de branding. As empresas, especialmente no setor de alimentos, devem considerar cuidadosamente a psicologia das cores ao desenvolver suas marcas. A escolha de cores pode ter um impacto significativo na percepção e no comportamento do consumidor, e, como evidenciado pelo processo judicial, também pode ter implicações legais quando se trata de semelhanças entre as marcas concorrentes.
É notório que no campo da análise de marcas o importante é o conjunto e não termos isolados. Gama Cerqueira, em Tratado de Propriedade Industrial, vol.II, pág., 919, que alertava: Deve-se decidir pela impressão de conjunto e não pelos seus detalhes. JOÃO DA GAMA CERQUEIRA no Tratado da Propriedade Industrial. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2010, vol. II, tomo II, p. 50/51, cita três princípios para verificar a existência de erro ou confusão entre as marcas:
“1º, as marcas não devem ser confrontadas e comparadas, mas apreciadas sucessivamente, a fim de se verificar se a impressão causada por uma recorda a impressão deixada pela outra;
2º, as marcas dever ser apreciadas, tendo-se em vista não as suas diferenças, mas as suas semelhanças;
3º, finalmente, deve-se decidir pela impressão de conjunto das marcas e não pelos seus detalhes. Proibindo o Código o registro de marca que constitua imitação de outra já registrada que possa induzir o comprador em erro ou confusão, daí decorre outro princípio: quem tem que decidir da possibilidade de confusão deve colocar-se na posição de consumidor eventual, levando em conta, ainda, a natureza do produto. Estes princípios podem resumir-se numa regra geral, que vem a ser a seguinte: a possibilidade de confusão deve ser apreciada pela impressão de conjunto deixada pelas marcas, quando examinadas sucessivamente, sem apurar as suas diferenças, levando-se em conta não só o grau de atenção do consumidor comum e as circunstâncias em que normalmente se adquire o produto, como também a sua natureza e o meio em que o seu consumo é habitual.”
A seu turno, Carvalho de Mendonça (Trat. Dir. Privado - Vol. V, 1ª parte) dispunha que “as duas marcas devem ser apreciadas conforme a impressão de conjunto deixada no observador”.
FILIPE FONTELES CABRAL e MARCELO MAZZOLA, em estudo que teve como base o direito comparado, a doutrina e a jurisprudência, listaram sete critérios para a avaliação da possibilidade de confusão de marcas, por eles denominado “Teste 360º” - O Teste 360º de Confusão de Marcas, Revista da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual, nº 132, set/out de 2014, p. 14/22:
I . Grau de distintividade intrínseca das marcas;
II. Grau de semelhança das marcas;
III. Legitimidade e fama do suposto infrator;
IV. Tempo de convivência das marcas no mercado;
V. Espécie dos produtos em cotejo;
VI. Especialização do público-alvo;
e VII. Diluição.
São em regra, esses os fatores analisados pelo judiciário em casos de colidência marcária. Todavia, temos outros fatores que podem mitigar alguns desses requisitos, em especial a decisão consolidada do Egrégios Superior Tribunal de Justiça no sentido de que “Marcas fracas ou evocativas, que constituem expressão de uso comum, de pouca originalidade ou forte atividade criativa, podem coexistir harmonicamente. É descabida, portanto, qualquer alegação de notoriedade ou anterioridade de registro, com o intuito de assegurar o uso exclusivo da expressão de menor vigor inventivo” - (RESP 1166498/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/03/2011, DJE de 30/03/2011).
Lembrando que marcas fracas são aquelas que oferecem pouca proteção legal devido à sua generalidade ou falta de distintividade. Exemplos incluem termos genéricos ou comuns que são amplamente usados e não associados exclusivamente a um produto ou serviço específico. Devido à sua natureza genérica, é difícil para essas marcas ganharem proteção legal exclusiva, como por exemplo as marcas Descritivas e Evocativas.
As Descritivas são marcas aquelas que descrevem diretamente o produto ou serviço que representam. Por exemplo, "Fast Shipping" para um serviço de entrega seria considerado descritivo. Embora possam ser um pouco mais fáceis de proteger do que as marcas fracas, as marcas descritivas geralmente precisam adquirir significado secundário no mercado (ou seja, a marca precisa tornar-se conhecida pelo público como identificadora da fonte do produto ou serviço, e não apenas como uma descrição do produto ou serviço) para obter proteção legal completa.
Já as marcas Evocativas sugerem algo sobre o produto ou serviço, mas não o descrevem diretamente. São aquelas marcas que trazem em seu nome características do produto ou serviço que ela representa. Ou seja, são nomes de uso comum, já conhecidos, fazendo uma ligação direta com o produto ou serviço ligado à marca, como por exemplo:
British Airways: Esta marca descreve diretamente o que a empresa faz - operações de voo - e sua origem geográfica, o Reino Unido.
Toys "R" Us: Refere-se ao fato de ser uma loja de brinquedos, com o uso lúdico da letra "R" no lugar de "are".
General Motors: Descreve a natureza do negócio - fabricação de motores e veículos em geral.
Holiday Inn: Uma cadeia de hotéis, cujo nome sugere um local para ficar durante as férias ou feriados.
No caso de Calzoon e Mini Kalzone, os princípios estabelecidos por João da Gama Cerqueira e outros especialistas em propriedade industrial são fundamentais. Esses princípios enfatizam a importância da impressão geral que uma marca deixa, considerando não apenas suas diferenças, mas também suas semelhanças. Isso é particularmente relevante em casos de potencial confusão de marcas, onde o foco deve ser na percepção do consumidor comum e na natureza do produto.
Essa abordagem é corroborada pela decisão do Superior Tribunal de Justiça, que reconhece a possibilidade de coexistência harmoniosa de marcas principalmente quando confrontadas com outras do segmento de menor força distintiva, como por exemplo “Mini Kalzone” para definir um Calzone de tamanho pequeno. Isso implica que marcas com menor distintividade ou originalidade podem compartilhar elementos comuns sem necessariamente causar confusão ou erro.
Todavia, a análise marcária no caso em estudo adotou outros contornos, pois a Justiça Federal comungou com o entendimento emitido pela Coordenação de Gestão do Conhecimento, Instrução Processual e Relacionamento com o Usuário, no parecer técnico emitido pelo INPI, que citou o mesmo estudo:
Aparentemente, a combinação de tais cores não é arbitrária, mas sim decorrente de práticas já estabelecidas pela indústria alimentícia. Chamada comumente de “teoria do Ketchup e da Mostarda”, o uso destas cores tem por objetivo incentivar o consumo por parte do consumidor.
No entanto, a Mini Kalzone argumentou que, apesar da prevalência dessas cores na indústria de alimentos, a combinação específica e a maneira como são utilizadas por Calzoon criam um risco significativo de confusão ou associação indevida por parte dos consumidores. A Calzoon, por outro lado, defendeu a utilização das cores como parte de uma estratégia de marca legítima e diferenciada, argumentando que a combinação de vermelho e amarelo não é exclusiva e é amplamente utilizada por diversas marcas no setor de alimentação rápida.
O judiciário, ao examinar o caso, teve que ponderar entre o direito de uma marca de proteger sua identidade visual única e o princípio de que cores, especialmente aquelas comumente usadas em um determinado setor, não podem ser monopolizadas, levou também em conta a natureza das marcas, a distintividade de suas apresentações, e como as cores são empregadas em conjunto com outros elementos gráficos.
Em sua decisão, o tribunal também refletiu sobre a prevalência da teoria do Ketchup e da Mostarda na indústria alimentícia e como a combinação de vermelho e amarelo se tornou um elemento comum em muitas marcas de fast-food:
No que tange à similaridade visual, no que diz respeito especialmente a utilização das mesmas cores, cuja tese autoral apontaria na direção da colidência entre as marcas - como sustentado pelos pareceres juntados aos autos pela Recorrente para embasar o pedido exordial, bem como das razões de apelação - é certo que são diversas as marcas do segmento alimentício que utilizam do mesmo conjunto de cores, conforme bem esclarecido pelo parecer técnico do INPI.
“Como afirmado pelo Instituto marcário, "a combinação de tais cores não é arbitrária, mas sim decorrente de práticas já estabelecidas pela indústria alimentícia. Chamada comumente de “teoria do Ketchup e da Mostarda”, o uso destas cores tem por objetivo incentivar o consumo por parte do consumidor."(Evento 33, 10)"
Deste modo, não se faz possível o escopo da proteção conferida pelos registros das marcas das autoras englobar as cores amarela e vermelha comumente utilizadas no segmento alimentício em questão, assim como as fontes tipográficas representadas em cor branca, com efeitos tridimensionais, as quais são também de utilização banal”.
A decisão destacou que, embora a cor possa ser um fator importante na identidade de uma marca, a proteção legal não se estende a cores isoladamente consideradas, mas sim ao arranjo e combinação distintiva de elementos, incluindo cores, que compõem a marca.
A decisão do caso entre Calzoon e Mini Kalzone, portanto, teve implicações significativas para a prática de branding e marketing, especialmente no que diz respeito ao uso da cor em marcas. Estabeleceu precedentes importantes sobre como a semelhança entre as marcas é avaliada e até que ponto elementos comuns da indústria, como a combinação de cores, podem ser protegidos legalmente. Ao mesmo tempo, ressaltou a importância de uma abordagem equilibrada que considere tanto a proteção dos direitos de propriedade intelectual quanto a liberdade de operação comercial no mercado competitivo.
Conclusão
Em conclusão, a teoria do Ketchup e da Mostarda e o subsequente caso judicial entre Calzoon e Mini Kalzone proporcionam uma visão profunda sobre a interseção complexa entre marketing, psicologia das cores e direito de marcas. As cores, particularmente a combinação de vermelho e amarelo, desempenham um papel crucial no comportamento do consumidor, influenciando decisões de compra e criando associações específicas que podem aumentar o apelo ao consumo em ambientes de alimentação rápida. Esta eficácia não é apenas um fenômeno de marketing, mas também um ponto de consideração crítico em disputas legais, onde a distintividade e a possibilidade de confusão de marcas são meticulosamente examinadas.
A análise marcária, em especial, ressalta a importância de olhar além dos detalhes isolados para a impressão de conjunto que uma marca transmite, bem como a necessidade de entender os critérios multifacetados que influenciam a possibilidade de confusão de marca. Isso inclui fatores como distintividade intrínseca, semelhanças visuais, tempo de mercado e especialização do público-alvo, todos essenciais na avaliação da colidência marcária.
Por fim, o caso discutido ilustra o delicado equilíbrio que os tribunais devem manter entre proteger a identidade visual única de uma marca e permitir a liberdade comercial e concorrência no mercado. Enquanto as cores são vitais para a identidade e estratégia de uma marca, a proteção legal não se estende a cores isoladamente, mas ao seu arranjo e combinação distintiva. Este entendimento reforça a necessidade de empresas em todos os setores, especialmente no alimentício, de considerar cuidadosamente suas escolhas de cor e elementos de design em suas estratégias de branding, mantendo uma perspectiva informada e proativa para a proteção e inovação de marca. Em suma, o caso transcende a disputa entre duas empresas, refletindo sobre práticas mais amplas em branding e a necessária harmonização entre marketing dinâmico e prudência legal.
Fontes:
Cunningham, M. (2017) The Value of Color Research in Brand Strategy. Open Journal of Social Sciences, 5, 186-196.
Singh, S. (2006) Impact of Color on Marketing. Management Decision, 44, 783-789.
CERQUEIRA, João da Gama. Privilégios de invenção e marcas de fábrica e de comércio. São Paulo: Acadêmica Saraiva, 1930. v. 2. ______. Tratado da propriedade industrial. Rio de Janeiro: Forense, 1946. v. 1.
DE MENDONÇA, CARVALHO. Tratado de Direito Comercial. Atualizado por Ruymar de Lima Nucci. Campinas: Bookseller, 2001
MAZZOLA, Marcelo; CABRAL, Filipe Fonteles. O Teste 360º de confusão de marcas. Revista da EMERJ, nº 69, junho/julho/agosto de 2015, p. 129-155.
Superior Tribunal de Justiça (RESP 1166498/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/03/2011, DJE de 30/03/2011).
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Guilherme Vega é Sócio do Escritório Alexandre David Advogados, Graduado e Pós-Graduado em Direito Civil e Empresarial pela Faculdade Damásio. Pós Graduado em Direito Digital, Gestão da Inovação e Propriedade Intelectual pela PUC – MG. Extensão em Direito Processual Civil pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo. Extensão, em Propriedade Intelectual pela - WIPO - World Intellectual Property Organization - Academia do INPI - WIPO - World Intellectual Property Organization - Academia do INPI.
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